RELEVÂNCIA
DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
Celso
dos S. Vasconcelos
Muitas
vezes, no dia-a-dia, a preocupação da direção acaba sendo “que a escola
funcione”, e a dos professores acaba girando em torno do “manter a disciplina e
cumprir o programa”. “O nosso risco, porém, é este: somos devorados pelo
urgente e não temos tempo para posicionarmo-nos diante do importante”. Frente a
tantas dificuldades, por que a escola deve se interessar pelo Projeto? Ora, a
função do projeto é justamente ajudar a resolver problemas, transformar a
prática e, no limite, tornar menor o sofrimento.
O
Projeto Educativo não é algo que se coloca como um “a mais” para a escola, como
um rol de preocupações que remete para fora dela, para questões
“estratosféricas”. Pelo contrário, é uma metodologia de trabalho que
possibilita ressignificar a ação de todos os agentes da escola.
C. Wright comparou a
situação dos educadores à de remadores, no porão de uma galera. Todos estão
suados de tanto remar e se congratulam uns com os outros pela velocidade que
conseguem imprimir ao barco. Há apenas um problema: ninguém sabe para onde vai
o barco, e muitos evitam a pergunta alegando que este problema está fora da
alçada de sua competência. (Alves, 1981:86)
Houve um tempo em que
parecia óbvia a necessidade e a finalidade da escola. No entanto, especialmente
a partir da década de setenta, com toda a crítica da sociologia francesa, a
escola descobre-se como palco de conflitos e contradições sociais. Desde então,
a explicitação de seu projeto, do dizer a que veio, vai se tornando cada vez
mais importante.
a)
Rigor e Participação
A grande contribuição
do Projeto Político-Pedagógico na perspectiva do Planejamento Participativo
está no seguinte:
§ Rigor (qualidade
formal)
É uma maneira de se
enfrentar o processo de alienação, exigindo que as ações sejam intencionais
(desligar o “piloto automático”). Há atualmente um apelo muito forte pela
“prática”; este apelo pode nos levar ao imediatismo, ao ativismo. É preciso
considerar que a prática é fundamental, é a finalidade da instituição, mas, por
outro lado, a realidade é complexa, e como tal deve ser enfrentada. O que
queremos dizer é que atuar de qualquer forma, sendo condicionado pelas pressões
do ambiente (rotinas, ideologias) é fácil; difícil é realizarmos uma ação
consciente, que de fato corresponda às reais necessidades. Para isto precisamos
de um referencial teórico-metodológico. O Projeto é justamente o Méthodos que visa ajudar a enfrentar os
desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, sistematizada,
orgânica, científica, e, o que é essencial, participativa.
§ Participação
(qualidade política)
Que valor pode ter um
pedaço de papel escrito? A teoria quando assumida por um grupo, transforma-se
em “força material”. Na elaboração participativa do Projeto, todos têm
oportunidade de se expressar, inclusive aqueles que geralmente não falam, mas
que estão acreditando, estão querendo. Muitas vezes, não falam por insegurança,
por pressão do grupo ou por acomodação, em função daqueles que “sempre falam”.
O processo de planejamento participativo abre possibilidade de um maior fluxo
de desejos, de esperanças e, portanto, de forças para a tão difícil tarefa de
construção de uma nova prática. Almeja-se também a partilha de todos os bens,
sejam espirituais (decisão, planejamento), sejam materiais (recursos, lucros,
perdas).
b)
A Ética do Projeto
Dado o nível de senso
comum que existe hoje, em termos de novas concepções pedagógicas, dificilmente
um Projeto expressará uma proposta reacionária, conservadora. Nestes casos, a
estratégia dos dirigentes que, com efeito, não querem a mudança parece ser a
seguinte: “deixa o povo falar o que quiser; nós escreveremos em termos bem
genéricos (“belas palavras”), de forma que não tenha força de cobrança das
transformações.
Ao invés, o Projeto
Político-Pedagógico, quando feito baseado numa autêntica ética, é um Méthodos de transformação, tendo em
vista expressar o compromisso de grupo com uma caminhada. Dessa forma, tanto o
dirigente pode cobrar coerência do dirigido, como o dirigido cobrar do
dirigente, bem como dos companheiros entre si. Havendo um Projeto, existe maior
facilidade em não se tomar as críticas como pessoais (as críticas devem fazer
parte do cotidiano, se queremos superar as contradições).
c)
A Autonomia em Questão
Temos afirmado, no
decorrer deste trabalho, que o Projeto Político-Pedagógico é um caminho de
consolidação da autonomia da escola. Precisamos, no entanto, refletir um pouco
melhor sobre isto, sob pena de ficarmos numa visão ingênua.
O questionamento que
muitos educadores se fazem é bastante claro: até que ponto a proposta das
mantenedoras (sobretudo públicas) de que as escolas agora devem fazer seu
projeto político-pedagógico não estaria, na verdade, representando uma
estratégia de descompromisso e de transferência de responsabilidade? Seria
autonomia ou descaso do Estado? O discurso da autonomia poderia ser uma forte
carga ideológica, no sentido de deixar a entender que as escolas, na medida em
que têm seus projetos, são responsáveis pelo sucesso ou fracasso de suas
práticas...
É certo que este é um
risco concreto. Todavia, vai depender muito da maneira como a comunidade
escolar vai se posicionar. Quando vemos escolas fazendo projeto “porque o MEC
está a exigir”, é claro que não podemos esperar muito diante deste risco de
manipulação. Por outro lado, quando a escola despertou para a necessidade de se
definir, de construir coletivamente sua identidade e de se organizar para
concretizá-la, então o projeto pode ser um importante instrumento de luta e,
inclusive, de denúncia, no caso de omissão da mantenedora.
Aquela mesma linha de
reflexão que fizemos em relação à condição de sujeito por parte do educador,
pode ser aqui retomada quanto à instituição: a autonomia não pode ser
outorgada: cabe ser conquistada!
d)
Projeto x Regimento
É preciso que fique
clara a distinção entre o Projeto Político-Pedagógico da escola, com o sentido
que apontamos acima, e o Regimento Escolar, que é uma exigência legal para o
funcionamento da escola (duração dos níveis de ensino, critérios de organização
– séries anuais, períodos semestrais, ciclos, grupos não-seriados, etc. -,
classificação e reclassificação de alunos, verificação do rendimento escolar, frequência,
currículos, etc.). De acordo com a legislação em vigor, a elaboração de ambos é
de competência da escola. O que se espera é que o regimento possa ser feito a
partir do Projeto, qual seja, ter os parâmetros e princípios do Projeto como
referência para o detalhamento administrativo e jurídico (o que nem sempre é
possível, pelo menos no todo, em função de diretrizes e normas exteriores à
escola).
O que se recomenda é
que o regimento seja o mais abrangente possível, delegando a tarefa de definir
detalhes para segmentos específicos da instituição (ex.: ao invés de ficar
especificando como deverá ser o processo de avaliação de aprendizagem, poderá
apresentar os critérios gerais e remeter a definição para o Conselho de Escola
ou para o Conselho Técnico-Administrativo). Isto dá mais flexibilidade em
termos de reestruturação da prática, sem precisar reelaborar o regimento, pedir
nova aprovação, etc.
VASCONCELOS, Celso
dos S. – Planejamento – Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto
Político-Pedagógico – 15ª Edição – São Paulo: Editora Libertad – 2006